A Vida Não Para: Como o luto me quebrou — e me reconstruiu

“A vida não para.”

Essa frase se tornou título do meu livro. Mas, antes disso, ela foi quase um sussurro de sobrevivência nos meus dias mais escuros. Uma verdade difícil de engolir, principalmente quando tudo em mim queria parar — parar de sentir, parar de tentar, parar de existir. Mas a vida… ela continuava. Mesmo quando eu me sentia em ruínas.

Em 2015, vivi o que talvez seja o maior colapso da minha história. Em menos de 24 horas, meu mundo virou pó: minha esposa, Keila, faleceu após uma parada cardiorrespiratória e, no mesmo dia, meus filhos gêmeos nasceram prematuros e foram direto para a UTI Neonatal. Foram 90 dias entre altos e baixos, entre boletins médicos que me davam esperança e sustos que me jogavam no chão. E, como se não bastasse, pouco tempo depois, meu filho Samuel também partiu.

Naquele período, tudo em mim parecia quebrado. Por fora, eu era o pai que precisava se manter firme, o profissional que precisava continuar vivendo. Mas, por dentro, havia um homem desmoronado. Meu refúgio era um escritório em casa onde coloquei um colchão no chão — e ali eu caía, literalmente, sempre que precisava chorar ou simplesmente tentar reorganizar os pedaços de mim.

Foi nesse lugar invisível que comecei a entender que o luto não é uma linha reta, e nem tem prazo de validade. O luto não pede que você supere. Ele pede que você sinta, que atravesse, que respeite. E foi essa travessia que, aos poucos, me reconstruiu.

Ao longo dos anos, vivi outros lutos. Me desliguei de uma carreira de quase 25 anos em uma multinacional, onde entrei como desenhista-projetista e saí como executivo. Depois, assumi a empresa do meu pai — e nove meses depois, o tempo de uma gestação, ele faleceu. E mais tarde, enfrentei o fim do meu segundo casamento, que começou como um porto seguro e se transformou em uma relação instável, marcada por desencontros e um rompimento inevitável.

Essas experiências me ensinaram que nem todo luto vem da morte. Alguns vêm daquilo que a gente precisa deixar ir: um sonho, uma identidade, uma história que não pôde continuar.

Mas foi no meio dessas perdas que a minha reconstrução começou.

Comecei escrevendo. Escrevia para não esquecer. Escrevia para tentar entender a vida — e a mim mesmo. Foi assim que nasceu o livro A Vida Não Para. E com ele, começaram a surgir mensagens de pessoas que se sentiam acolhidas pela minha história. Algumas delas me disseram que estavam desistindo de desistir. Uma dessas mensagens veio de uma mulher do norte do Brasil, que viu minha história na matéria do Fantástico — exibida no Dia dos Pais daquele ano. Ela me escreveu dizendo que tinha desistido do suicídio depois de assistir à minha entrevista.

Ali, percebi que minha dor também podia ser ponte. Que, mesmo quebrado, eu ainda podia ser instrumento de acolhimento. Foi assim que nasceu o propósito que hoje carrego com fé e responsabilidade.

Foi então que conheci Stephanie Monje, que havia perdido o marido e iniciado o projeto Lições do Luto. Participei de um retiro, nos conectamos e, algum tempo depois, decidimos unir nossos propósitos. Eu já havia começado o Refúgio — encontros mensais com enlutados em casa — e entendi que somar forças com o Lições do Luto faria ainda mais sentido. Não nos unimos por laços afetivos, mas por um chamado em comum: transformar a dor em direção, o luto em acolhimento. Juntos, construímos algo que acolhe, transforma e caminha com quem sofre.

Hoje, o Lições do Luto é um blog, uma comunidade, uma rede de apoio e uma voz para quem precisa atravessar a dor. Criamos também o curso Rota do Luto, um espaço de acolhimento e fé para quem busca sentido no meio do sofrimento. E, mais do que tudo, seguimos com o coração aberto, lembrando todos os dias que o luto não precisa ser vivido sozinho.

O luto me quebrou.
Sim, ele me rasgou por dentro, me esvaziou e me levou ao chão.

Mas também foi ele que me ensinou a respirar diferente.
A andar mais devagar.
A valorizar o essencial.

E me reconstruiu.
Não da mesma forma, nem com os mesmos planos. Mas com mais verdade, mais fé e mais presença.

Se você chegou até aqui, talvez esteja vivendo sua própria travessia.
E, se for esse o caso, quero te dizer: você não está só.

A vida não para.
E mesmo que hoje pareça impossível, ela ainda pode florescer — um dia de cada vez.

Desde que unimos nossas histórias no projeto Lições do Luto, temos recebido centenas de mensagens de pessoas que encontraram ali não uma resposta pronta, mas um lugar seguro para sentir. São mães, pais, filhos, amigos… Gente de toda parte buscando uma forma de continuar vivendo com a saudade, com a ausência, com a dor que ninguém vê.

Em cada depoimento que recebemos, uma certeza se renova em mim: a dor compartilhada se torna mais leve. E quando ela é acolhida com fé, escuta e compaixão, ela pode até se transformar em força.

Há uma promessa que carrego comigo e que repito silenciosamente nos dias difíceis:

“O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã.” (Salmo 30:5)

Que esse espaço te ajude a atravessar a noite.
E que, quando o dia amanhecer — mesmo que seja devagar —, você se lembre:
a vida não para. E você não está só.

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